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À distância de um clique

 

Durante os anos 70, altura em que os formatos analógicos estavam em voga, Leonor teve o seu primeiro contacto com a pornografia. Tinha menos de dez anos. Entre risos, começa por contar que foram as duas vizinhas mais velhas que desencadearam esse momento “terrivelmente chocante”, enquanto mandavam um saco, do segundo andar para baixo, com várias revistas.

 

 

“Elas pediram-me para levar algumas e o saco rompeu-se. No meio das revistas de senhora, estavam umas Gina, que no fundo traficavam entre elas. Aquilo caiu no chão, abriu-se e foi a primeira vez que eu vi fotografias, em que estava exposto sexo oral, tudo… Fiquei muito atrapalhada por ter ali um encontro com uma coisa que não esperava. Elas ainda me ameaçaram que se eu dissesse aquilo a alguém que apanhava”

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Leonor Esperança

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Cercados de mistério, os caminhos que percorreu até a Internet chegar foram longos. Quando o folhear pelo papel já não era suficiente, o interesse rumou às cassetes.  Chegou a frequentar clubes de vídeo e sabe que o pai, apesar de nunca ter admitido, também era cliente regular. Embora o tenha tentado esconder, a lisboeta reparava que ele “vinha para casa com o blusão abotoado até ao pescoço”. Contudo, por mais que procurasse, nunca conseguiu encontrar os filmes. Mesmo assim, durante a adolescência, matava a sua curiosidade através de “cópias em vídeos” que os seus “amigos rapazes” lhe forneciam.

 

No mesmo barco de nostalgia está José Santiago. O colecionador de cassetes de 36 anos encontra nos formatos analógicos uma coisa “muito especial para quem nasceu nos anos 80 e inícios de 90”, uma vez que o videoclube e o cinema eram das poucas maneiras de ver um filme. Nas estantes de sua casa encontram-se centenas de obras cinematográficas, de diversos géneros, “autênticas cápsulas do tempo”. Entre as capas coloridas existe também pornografia, um formato que “sempre ditou tendências”.

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Os filmes analógicos em nada se comparam com o que é feito hoje em dia. “São em tudo piores, em qualidade de som e de imagem”, realça o portuense. O investimento era outro fator decisivo, sendo que o aluguer custava 100 escudos, cerca de 0,50 cêntimos, mas um filme mais antigo podia chegar aos 2900 escudos, quase 15 euros. 

 

Quem não conhece a era do difícil acesso é Pedro Serrasqueiro. Aos 21 anos tem a sorte de nunca ter pago por conteúdo explícito. O contacto “mais remoto” foi com revistas, porém considera a estática da fotografia “inferior” ao movimento do vídeo. Para a sua geração é mais cómodo ir à Internet, porque a pornografia já não está só em sites próprios, já invadiu outras plataformas com maior público, como as redes sociais.

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“Qualquer pessoa no século XXI, que queira ver pornografia, vai à Internet e faz um clique”, resume José. Só o colecionismo justifica “ir atrás de uma cassete ou de uma fita”.

A pornografia “saiu para o mainstream”, inclusive muitas estrelas passaram para esse meio e “são nomes conhecidos, como a Sasha Grey”. Foi o começo da normalização do porno na sociedade.

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A massificação de que José fala é a principal causa da mudança entre as pessoas e o conteúdo para adultos. No entanto, não só a pornografia ganhou espaço com o aparecimento de todos os meios analógicos, como também o erotismo. “Podemos dizer que o porno é explícito e o erotismo é implícito, mas para mim é pessoal, só tu sabes o que é erótico, o que é sugestivo e que te leva a pensar ou a sentir coisas. O pornográfico é o que te dá a papinha toda feita”. Quem o diz é Rui Simas, Sex Coach e antigo produtor da indústria do sexo.

 

Chegado de Lisboa, Simas desfaz a mala no seu quarto de hotel. Como não podia faltar, vem acompanhado de livros que coloca delicadamente na mesa de cabeceira. “No tempo do meu avô, ver o tornozelo da minha avó era erótico”, troça, enquanto arranja o cabelo. Atualmente, “a diferença está em meio centímetro de tecido”, visto que nas redes sociais o mamilo feminino é considerado conteúdo impróprio, mas se estiver tapado com o biquíni já não é.

 

O Sex Coach viaja até à sua juventude e recorda o quão “engraçado” era percorrer as fotogalerias de revistas “mais reveladoras”. “Puxava pela imaginação em vez de dar logo tudo de uma vez”, garante. “A pornografia vive do impulso, vai ao mais pragmático para despoletar o mais básico em ti. O erotismo tenta dar uma volta maior e é mais racional, demora mais tempo a entrar neste universo”.

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Leonor identifica-se com as palavras de Rui Simas, sendo que a própria reconhece a importância desta “arte”, no que toca a desenvolver outras partes do relacionamento, como a “sedução”. Para ela, é uma necessidade do momento e se precisar de algo “mais imediato”, procura a pornografia. Se necessitar de “uma maior envolvência”, tem o erotismo. “Ainda há pouco tempo estive a ver "A Criada”, assume.

 

A lisboeta generaliza ao alegar que as mulheres são mais ligadas àquilo que é erótico. “Os homens não gostam mais de sexo, provavelmente têm é mais paciência para ver”, ao contrário do sexo feminino, que não dá tanta atenção a esse “consumo contínuo” de estar horas agarradas a uma coisa. O antigo produtor de filmes pornográficos apoia a opinião da conterrânea, reiterando que os homens têm mais “à vontade para se satisfazerem dessa maneira, porque gostam da parte visual e o cérebro facilmente apanha os contextos que mexem com eles”.

 

De qualquer forma, graças à facilidade do acesso à diversidade de conteúdos e de meios, as pessoas têm maior facilidade em ver pornografia a qualquer hora, dia e lugar. Resta perceber onde está a linha que separa o mero consumo e o vício.

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"A internet tornou culturas underground em mainstream"José Santiago
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A Bíblia do Prazer é um dos livros favoritos de Rui Simas

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