O outro lado do ecrã
Dinheiro fácil, sexo e fama. São estas características aliciantes que fazem milhares de pessoas procurar a indústria pornográfica. Sentados à frente do computador, poucos consumidores pensam na vida das personagens que lhes proporcionam um momento de prazer. Contudo, é nos bastidores da profissão que tudo acontece.
Contactada para este trabalho, a Pordata não tem dados oficiais relativos ao número de atores pornográficos a exercer em Portugal, visto que “publica somente dados estatísticos provenientes de entidades oficiais”.
Com 15 anos, Sydney Fernandes sonhava ser ator porno. A sua ambição e vontade de mudar o mundo foi o que o levou a enveredar por esta carreira. “O porno atraia-me porque fazes sexo com os melhores homens do mundo e és pago por isso”, começa por relatar tranquilamente. De momento a viver na Holanda, é através da WebCam que o ex-ator, conhecido pelo nome artístico de Fostter Riviera, abre as portas de sua casa. Sentado no sofá e com a cadela ao colo, é com entusiasmo que relembra como entrou na indústria.
Devido à pouca oferta de trabalho emigrou para a Alemanha. Sem “família à volta”, encontrou um mundo gay “mais desenvolvido”. No entanto, as dificuldades persistiram e acabou a trabalhar como prostituto. Deu a volta à situação e, no total, fez 300 filmes por todo o mundo. “Sempre me senti muito bem a fazer porno, nunca tive medo, stress e nunca fui obrigado a nada”, porém é uma profissão que deixa marcas.
Embora evoque o seu trabalho com alegria, não esquece que “as drogas, o desrespeito pessoal e a invasão da privacidade eram o prato do dia”. Muitas vezes, sentiu-se um brinquedo sexual. “Eles usam-te, têm prazer contigo e depois deixam-te ali num canto da cama”, relata Sydney. Depois de gravações que podiam durar até oito horas, apercebeu-se que, embora gravasse nos melhores estúdios do mundo, quando de lá saía não tinha amigos e estava sozinho. “Chorei muito. Era feliz, mas estava a matar a minha vida social”, confessa. O cansaço psicológico fez com que, ao final de dez anos, terminasse a carreira.
Três anos fora da indústria do sexo, continua a fazer terapia para aprender a voltar ao “mundo normal”. Ganhou prémios pelo seu trabalho, mas, ainda assim, o namorado pedia-lhe para ser tratado com amor. “Tive de aprender a fazer sexo com amor, ou lá como aquilo se chama, porque ele dizia que não estava a gostar, que não se sentia bem, que o estava a magoar”.
Quem continua a ganhar dinheiro com o corpo é Diana Cu de Melancia. Via email, a atriz explica que entrou para o porno “por acaso”. “O meu ex-namorado gravou um vídeo com câmara oculta e colocou na internet sem me avisar. Numa semana já tinha meio milhão de views e como a Pornhub paga por visualizações, começamos a meter mais vídeos”.
O “julgamento” da sociedade faz com que se esconda por detrás de uma máscara, daí ninguém conhecer a sua verdadeira identidade. Protagoniza filmes amadores, onde “tudo é real”, só atua com namorados e tem sempre prazer. “É bom saber que o mundo nos está a ver e a masturbar”. É a técnica do “natural” que conquista os portugueses, tornando-a a atriz mais procurada do país.
Para os dois atores, a melhor parte da profissão é saber que influenciam a vida sexual de vários casais, porque se enquadram, tiram ideias e copiam os vídeos. “Há sempre ali alguma forma de te descobrires a ti mesmo e de apimentar a tua relação”, diz Sydney Fernandes. Mas nem tudo é um mar de rosas e ambos reconhecem o lado negro para quem vê sexo on-line. Sem consumidores não há indústria, todavia "filmes para adultos devem ser vistos com mentalidade de adulto”.
Tal como Diana refere “as pessoas ficam com uma ideia errada da realidade”. O ex-ator vai mais longe, exemplificando o facto das violações parecerem “fixes no porno, ao ver alguém atado com cordas”. O que as pessoas se esquecem é que “ali houve um consentimento”.
Dar o corpo ao manifesto não entra na consideração de muitas pessoas. Longe das câmaras, os atores não se livram da crítica social. “Já tive ‘amigas’ que descobriram o que fazia e deixaram de me falar”, confidencia a atriz, convencida de que “não se pode agradar a todos”. “90% gosta do que faço e 10% não”, acrescenta. Por outro lado, o ex-ator garante não se importar com as críticas, já que é algo que vai sempre existir e não se pode controlar. “Não ouço, não sei, nem estou a par, porque tenho mais para fazer e uma vida para viver”. Mesmo assim, vê nas críticas um lado positivo que pode levar à discussão e à mudança.
Foi em 2009 que esta atividade ganhou terreno em Portugal. O crescimento deve-se à HotGold, produtora pioneira no país, que fazia e distribuía filmes com atores profissionalizados e com todo o tipo de formações legais. Segundo Rui Simas, até então a indústria estava restrita principalmente aos EUA, enquanto que “cá nem sequer existia pornografia amadora”.
O interesse na criação de universos sexuais através de filmes fez com que, desde muito cedo, o antigo produtor se dedicasse a estudar a área da sexologia. Posteriormente, foi a “curiosidade em saber se os atores tinham mesmo prazer ou não” que o levou a entrar neste mundo. Durante os cinco anos que lá trabalhou, descobriu quais as técnicas usadas para cativar os consumidores e desafiou-se a tornar cada cena diferente.
“O orgasmo geralmente é falso”, declara Sydney. Outras estratégias passam por gravar com a câmara por baixo do pénis, para que pareça maior e contracenar com atores mais pequenos de forma a sobressair certas partes do corpo. Relativamente aos cuidados de saúde e higiene, Rui admite que existe sempre a “grande questão sobre usar preservativos ou não”. Esta é a cláusula “mais importante” que as produtoras fazem com os atores, bem como ter exames em dia e não terem relações íntimas fora das gravações. “Temos de ter uma postura profissional: ter contratos de trabalho, aluguer, saúde e seguros de segurança”, remata.
Hoje em dia, em Portugal “não há nada digno de ser chamado indústria”. A HotGold tornou-se apenas distribuidora, já que não conseguiu produzir mais devido ao fim da venda de DVD´s e a Internet é “um espaço difícil para competir”. Só o amadorismo mantém-se vivo. Quem quer a vertente profissional depara-se com uma indústria “pobrezinha”. Isto porque, crê Sydney, “não há investimento na pornografia num país tão pequeno” e não preparado para uma produção global. “Se a TVI não faz novelas para o mundo inteiro, porque é que na pornografia haveria de ser diferente?”, questiona.
Neste país do canto da Europa, as opiniões continuam heterogéneas. Durante anos, o trabalho sexual inquietou a indústria, os políticos e os ativistas. Enquanto existe quem o defenda, há também quem não tenha problema em crucificá-lo. Conhecida a indústria, ficam as aprendizagens e as histórias com finais incertos.