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Uma companhia à Covid-19

 

Ver pornografia faz parte da rotina de muitos portugueses, mas o assunto continua a ser evitado por uma sociedade que se mantem fiel ao conservadorismo. Do pudor à desinibição, do desconforto ao prazer, os sentimentos associados a esta prática divergem entre os consumidores. Ainda assim, Portugal é o 39º país que mais pornografia vê a nível global, segundo dados de 2018 da Pornhub, um dos maiores sites de conteúdo adulto gratuito. Envolvido em preconceitos e ideias pré-concebidas, este é um tema pouco abordado e restrito à intimidade de cada um.

A alguns quilómetros da cidade do Porto, na pequena vila de Lousada, vive Pedro Serrasqueiro. Costuma percorrer as ruas de pedra de bicicleta e a sua presença é reconhecida por qualquer lado onde passe. Chegando à privacidade do seu quarto, é o vermelho escuro do edredão que chama a atenção de quem entra. É lá que, todas as noites, antes de se deitar, navega pela Internet com o computador à frente. Num ambiente escuro e silencioso, que remete para o secretismo das suas ações, só se vê a brilhante luz do ecrã. O que vê muda consoante os dias e as suas vontades. Aquilo que o rapaz de 21 anos não sabe é que se encaixa perfeitamente no perfil do consumidor de pornografia português.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foi com 13 anos que ver sexo on-line passou a fazer parte da sua rotina. A curiosidade surgiu “muito organicamente” após a sua primeira experiência sexual. Antes deste encontro, o porno nunca lhe tinha suscitado interesse. No entanto, Pedro confessa que “estava numa altura da puberdade, com as hormonas um bocado confusas". Foi através do conteúdo explícito que encontrou não só a resposta para o seu “desejo carnal” e “literalmente acalmar o corpo”, como também o conhecimento para as suas futuras relações a dois.



 

 

 

 

 

 

 

Por sua vez, a 320 quilómetros e a uma grande distância geracional, encontra-se Leonor Esperança. Já passa da hora de almoço quando visita o Parque das Nações, na capital do país. Entre as famílias que passeavam pelo sol de maio, a mulher de 50 anos sabe que não pode falar muito alto do assunto que a trouxe ali. “As pessoas vêem os gostos sexuais como algo que altera a sua própria credibilidade. É como se precisássemos de uma despenalização do consumo de pornografia”, confidencia.

Embora esta liberalização não exista, com o início da pandemia da Covid-19, o tempo despendido a assistir conteúdo para adultos disparou em todo o mundo. O único sítio seguro para baixar a máscara e esquecer a pressão imposta pela situação pandémica era em casa. Assim, em março de 2020, altura em que as pessoas estavam pela primeira vez restringidas às suas quatro paredes, o serviço premium tornou-se gratuito e o número de visitas ao Pornhub aumentou 36,5%, a nível nacional. O pico do consumo deu-se a 12 de junho, atingindo 43,7%. Já o valor mais baixo foi registado dia 18 de março com 6,5%.

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“É natural, as pessoas que estavam sozinhas começaram a masturbar-se com maior frequência e a consumir mais porno. No meu caso, não”.  Leonor, que se assume consumidora assídua de pornografia, não se encaixa nas estatísticas. Compreende, contudo, quem o tenha feito dado ao tempo livre e isolamento social. Por outro lado, Pedro faz parte dos números, uma vez que “por carência e por não poder estar com ninguém” acabou por refugiar-se no que o digital tinha para oferecer.

O que corrobora este cenário é o estudo da SexLab, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, que revela que houve um aumento no consumo de pornografia em território português. Os homens inquiridos admitem um aumento na ordem dos 22% e as mulheres de apenas 9%. De mencionar que os dados foram recolhidos em setembro de 2020, numa amostra de 3. 322 pessoas residentes em Portugal Continental, Madeira e Açores.

Aos olhos de Pedro, estes dados explicam-se por uma mentalidade retrógrada e enraizada na sociedade em relação ao sexo feminino, em que “há um certo nojo em conhecer-se a ela própria”.  No século XXI é “descabido” dizer que o prazer e a masturbação são um privilégio do sexo masculino, apesar disso “infelizmente” ainda acontecer. Entre as tarefas diárias, a pornografia ganha um papel relevante “para que na hora do ato sexual [as mulheres] tenham mais segurança nelas próprias, e não estarem simplesmente submissas e subjugadas a alguém”.

Independentemente do contexto social, o lousadense continua a encontrar vários pontos positivos que o fazem manter o hábito que iniciou em tenra idade. Ao ver, “cria uma imagem visual” daquilo que gostaria de fazer. “É como uma fantasia, podemos estar a olhar para aquilo e imaginar que estamos ali”. Não obstante, reconhece que nem tudo o que se vê é possível reproduzir no íntimo. “Já tive um episódio em que tentei fazer algo tão bruto como vi numa pornografia e parei a meio, porque senti que não estava a tirar prazer daquilo. Eu gostava de ver a ser feito, mas não gostava de o fazer”, relata.

Do mesmo modo, a própria lisboeta encara a pornografia como uma “forma de descoberta” e “validação” das relações sexuais entre os casais. No entanto, um aspeto que faz questão de realçar é a “confusão”, que pode existir na cabeça das pessoas, entre o mundo real e o mundo da pornografia. Leonor explica que às vezes há homens que vêem as mulheres como sex stars, capazes de executar coisas fantásticas que só se vê nos filmes.


 

 

 

 

 



 

 

 

 

 

 

 

 

São estes pontos positivos que a levam a confessar que este tipo de conteúdo “acelera a sua vontade sexual”. É um ato “cru, pragmático e exposto”, que a “excita”, daí assistir quando se quer masturbar. “Na cama, à noite antes de dormir, provavelmente sempre depois das 22h00”, é o cenário ideal para Leonor Esperança. Apesar de não ficar muito tempo em frente do ecrã, nem escolher os dias, costuma ver uma ou duas vezes por semana. “Não gosto de planear isso, porque é quando me apetece”, menciona. A verdade é que esta vontade espontânea não foge à regra dos restantes portugueses.

 

 

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Pedro Serrasqueiro também nunca vê pornografia fora do conforto dos lençóis. Ao contrário de Leonor, estabelece uma rotina mais rigorosa: segunda ou terça-feira, geralmente duas vezes por dia, ao início ou ao final do mesmo, quando o stress é maior. “Depende da excitação que tiver, mas não passo mais de meia hora, 45 minutos focado nisso”.

A concentração dos portugueses diminui quando os holofotes dão destaque a certos marcos do país. Prova disso, foi quando Portugal se encontrava na final do Euro, em 2016, o que fez com que o tráfego descesse 66%, em comparação com a média de um domingo normal. No mesmo ano, o público voltou a desligar o Wi-Fi e ligou a televisão para assistir ao debate entre António Costa e Pedro Passos Coelho para as legislativas, evento que baixou as visitas ao site em 6%. Mais recentemente, em 2019, a final da Eurovisão roubou 10,1% de atenção ao Pornhub.

Entre o play e o stop, o que facilitou este rápido acesso ao conteúdo adulto foi, sem margem de dúvidas, a Internet. Durante muitos anos, era nas revistas, nas cassetes e no cinema que se encontravam desde corpos despidos às mais variadas cenas de sexo explícito. Todavia, foi no meio dos algoritmos que a sociedade descobriu o “paraíso dos fetiches”, sem precisar de sair de casa. “Todos sabemos que existe, portanto não há o porquê de a abafar. Devemos dar espaço de diálogo, mas sem cair na vulgaridade”, declara a lisboeta.

Na ótica de Leonor, o receio de falar do assunto advém do “controlo público e da castração” impostas por uma cultura ainda bastante guiada pela religião. A fronteira daquilo que deve ou não ser tornado público tem de ser construída individualmente. “Não sei se o tabu é necessário para manter alguma privacidade. Ninguém deve ser julgado, cada um tem de continuar a consumir ou a fazer a prática sexual que mais a satisfaça”.


 

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Qual é o perfil do consumidor português?

Fonte: Pornhub (2017)

Fonte: Pornhub (2017)

Quanto tempo dura uma visita ao Pornhub?

Em média, os portugueses veem pornografi
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